domingo, 25 de julho de 2010

Fantasia



“Desde 1965”, dizia a placa de metal acima da entrada. Para Jair, aquele ponto comercial passara a existir há apenas algumas semanas. Desde que notara pela primeira vez, encostada no beiral da porta, a moça da loja de fantasias. Todo fim de tarde, de gravata frouxa e paletó nas costas, ele passava sem pressa pelo outro lado da rua após o expediente na repartição, observando-a e imaginando que personagem cairia bem à balconista: Cleópatra, Colombina, Eva, Capitu? Não, pensou, o mérito de Capitu está em não aparentar disfarce algum.
Da curiosidade à obsessão. Tinha que vê-la de perto. Mas por que razão entraria numa loja daquelas? Se ao menos fosse a balconista de uma farmácia. E se fosse casada? Ou virgem? Evangélica? Se ao menos fosse fevereiro.
Num fim de tarde de setembro entrou na loja, sem pensar em disfarce ou desculpa. Passou direto pelo balcão, onde um velho sentado parecia estar desde 1965. Cruzou uma longa fileira de perucas, gorros vermelhos, rostos murchos pendurados, seguiu até o final do corredor e esperou que ela chegasse.
A atmosfera pesada da naftalina e do colorido dos trajes despertaram nele uma inesperada lembrança. Pequenos piratas, havaianas, carmens mirandas. O salão do clube tomado de crianças. Ele, todo pintado de verde no canto do palco. A mãe querendo saber o porquê do choro.
– O que você fez com minha fantasia de gorila? – Jair pergunta aos soluços.
A mãe lhe acaricia a cabeça.
– Você não queria uma fantasia de filme?
– Eu disse King Kong, mãe! – lamenta, vestido em trapos, de braços cruzados pelo frio.
– Não fique nervoso, meu pequeno Hulk. Olha, já estão te chamando. Entra na passarela e manda ver!
Foi salvo da vergonhosa lembrança pela balconista.
– Posso lhe ajudar?
– Não – respondeu, assustado pela presença tão próxima dela. – Só dando uma olhada geral.
– Algo em mente para seu filho? Um tema ou herói?
– Não sou casado – corrigiu o ato falho em seguida – nem tenho filhos.
– Então talvez eu possa mostrar para o senhor a sessão de adultos.
Ela tomou a frente no apertado corredor. Jair, a uma distância respeitosa e estratégica, seguiu atrás. Os olhos fixos naquele andar de Lolita. Como pode ser tão incrível, pensou. Ela subiu uma pequena escada e passou de ponta a ponta os trajes do cabideiro alto. O que poderia indicar a ele? Terrorista, Elvis, Super Homem, Cowboy?
– Roupas da Índia têm saído bastante – lembrou a balconista. Puxou um lenço, colocou sobre a cabeça e disse, com um lento rebolado. – Sabe como é, novela.
– Você tem fantasia de gorila?
Jair saiu exultante da loja, abraçado a uma imensa sacola e com um cartão no bolso da camisa. Tinha um telefone e uma razão para voltar. Dois dias depois parou em frente à porta de metal. Fechado por motivo de falecimento, dizia o cartaz escrito à mão, abaixo da placa “Desde 1965”. Só desistiu de ligar quando o cartaz caiu em frangalhos, algumas semanas depois.
Em casa, Jair teve trabalho para colocar a sacola no fundo do armário. Agora tinha seu traje de gorila. Mas não soube mais da mulher maravilha da loja de fantasias.


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