terça-feira, 27 de julho de 2010

Oldnew School



Joss Stone, Amy Winehouse, Sharon Jones, Nicole Willis. Vi com entusiasmo o ressurgimento, de uns anos pra cá, da soul music. Não entendia como um gênero tão importante para a musica pop, que colocou os artistas negros definitivamente nas paradas dos brancos, que criou as bases para o funk e o hip hop, pudesse ter ficado no tempo, datado.

Agora, essa nova onda soul traz de volta, revisitados, os arranjos, timbres e a melodia dos anos 60. Numa época em que a ditadura da chamada música para dançar martela na mesma batida, as novas divas ganham público com malemolência e suingue. É pop? Claro, isso é soul music.

Depois das garotas, os rapazes. Postei aqui clipes de alguns nomes que, espero, ouviremos falar muito ainda. Cantores que parecem ter saído de um compacto da Motown, da Stax, da Chess. O curioso é que, apesar de genuinamente americano, o movimento em torno da nova soul music é forte na Europa, de onde vem os franceses Ben l’Oncle Soul e Mr. Day. E mesmo Mayer Hawthorne, nascido no Michigan e vivendo em Los Angeles, tem a agenda lotada de shows do outro lado do Atlântico.

Hits inegáveis, difícil não ouvir nessas canções ecos de Smokey Robinson, Curtis Mayfield, Otis Redding. Mas como definir um pastiche na era do sample? Ao deixar claras suas influências, cada um desses novos artistas mostra de onde parte, mas o caminho que seguem é próprio. 

A nova onda já tem nome, cunhado por mim e Sassá, amigo músico: Oldnew School.

Groove it!












segunda-feira, 26 de julho de 2010

Teimoso

Alex subiu as escadas com o peso de um dia inteiro sobre os ombros. Entrou em casa e esvaziou os bolsos na mesa da sala. Junto com a carteira e papéis, um grampo de cabelo de pouco antes.
Os encontros de fim de tarde vinham se tornando cada vez mais raros e breves. Ana chegara ao Café Paris com seu atraso regulamentar de quinze minutos. Sentou-se ofegante.
– Desculpe a rebeldia do penteado – disse, com o sorriso semicerrado, tendo um grampo entre os dentes e a franja castanha solta no rosto.
Durante a rápida conversa, ela repetiu o gesto diversas vezes com outros grampos que pulavam da bolsa, até se despedir e sair apressada. Alex se habituara ao ritual há alguns meses, quando ela comunicara, solene, a decisão de mudar o corte. Desde então, Ana deixava pistas por onde passava.
Agora, sentado no sofá de casa, Alex brincava com o objeto esquecido sobre a mesa do Café. Com os dedos afastou as apertadas pernas do grampo, seduzido pela sua singular anatomia: uma fina e reta; outra, ondulada. Um instrumento da vaidade sem vaidade alguma. Feitos para não serem notados, por isso tão esquecidos.
Lembrou-se das tardes na casa da tia cabeleireira, depois da escola. O salão improvisado na garagem. Cheiro de química a arder os olhos. Chá com bolacha e revistas, mulheres distraídas com decotes ousados. Grampos por todos os lados. A pobre tia cansada de espetar o dedo nas hastes pontiagudas, sempre a reclamar. Jamais desconfiou do pequeno sobrinho, que folheava catálogos de lingerie, roendo a resina das pontas de caixas inteiras de grampos para poupar as unhas.
Alex andou pelo apartamento silencioso, relembrando vestígios de Ana já deixados pelos cômodos. Ela, que nunca dormira naquela casa, com frequência demarcava território com um ou outro grampo: em cima da geladeira, no sofá da sala, na pia do banheiro, dentro de um livro inacabado. De propósito?
No quarto, Alex tirou do criado mudo uma caixa velha de charutos. Colocou o novo grampo em companhia de outros vários, com detalhes de estrela, trevo, coração, com fuxicos, fivelas coloridas, tic-tacs. Pequenos fetiches de boca, mãos, madeixas, nuca.
Imaginou se algum dia acordaria vendo Ana, preguiçosa, sorriso semicerrado, prendendo os cabelos já longos. Ele teria a felicidade espalhada em grampos por toda a casa, sem nunca mais precisar guardar para si grampo algum.

Serviço de Preto

Em meados dos anos 90 do século passado, eu, Mauricio Pereira, Léo Maristi e Eduardo Santana montamos a banda Serviço de Preto. Com soul, funk, disco, bom humor e paixão pela cultura negra, a gente movimentou a então incipiente cena black music de Curitiba. O disco nunca saiu, mas ficaram o cartaz e essa gravação demo para quem quiser conhecer ou curtir de novo.


Retirantes (Dorival Caymmi e Jorge Amado)





Sou do soul



Serviço de Preto como o mais positivo dos nomes uma reverência um agradecimento única influência porque as palavras não são absolutas e as expressões só afirmam aquilo que você quiser dizer não à “boa aparência” mas a aceitação de outra aparência bléquis bíutiful pela auto-estima say it loud i’m black and i’m proud uma outra mirada o lado negro do swing porque alma não tem cor mas soul sim pelo negro no poder a negação do politicamente correto pelo simplesmente correto em gilberto gil scott-heron no groove e no melodia em qualquer tom em qualquer caymmi do albino hermeto ao blues mais intenso no fela e no feeling dos jorges ben e benson da encruzilhada e do púlpito do ragtime ao reggae na cana e no algodão da senzala ao elevador de serviço no rock no jazz ácido no rhythm & poetry no fabrizio no léo no mauricio no edu no rosinha em você e onde a gente puder




Serviço de Preto
Fabrizio Rosa - voz
M.C. Pereira - guitarra
Léo Maristi - baixo
Dudu Santana - bateria e percussão
Melina Mulazani - backing vocal



domingo, 25 de julho de 2010

Fantasia



“Desde 1965”, dizia a placa de metal acima da entrada. Para Jair, aquele ponto comercial passara a existir há apenas algumas semanas. Desde que notara pela primeira vez, encostada no beiral da porta, a moça da loja de fantasias. Todo fim de tarde, de gravata frouxa e paletó nas costas, ele passava sem pressa pelo outro lado da rua após o expediente na repartição, observando-a e imaginando que personagem cairia bem à balconista: Cleópatra, Colombina, Eva, Capitu? Não, pensou, o mérito de Capitu está em não aparentar disfarce algum.
Da curiosidade à obsessão. Tinha que vê-la de perto. Mas por que razão entraria numa loja daquelas? Se ao menos fosse a balconista de uma farmácia. E se fosse casada? Ou virgem? Evangélica? Se ao menos fosse fevereiro.
Num fim de tarde de setembro entrou na loja, sem pensar em disfarce ou desculpa. Passou direto pelo balcão, onde um velho sentado parecia estar desde 1965. Cruzou uma longa fileira de perucas, gorros vermelhos, rostos murchos pendurados, seguiu até o final do corredor e esperou que ela chegasse.
A atmosfera pesada da naftalina e do colorido dos trajes despertaram nele uma inesperada lembrança. Pequenos piratas, havaianas, carmens mirandas. O salão do clube tomado de crianças. Ele, todo pintado de verde no canto do palco. A mãe querendo saber o porquê do choro.
– O que você fez com minha fantasia de gorila? – Jair pergunta aos soluços.
A mãe lhe acaricia a cabeça.
– Você não queria uma fantasia de filme?
– Eu disse King Kong, mãe! – lamenta, vestido em trapos, de braços cruzados pelo frio.
– Não fique nervoso, meu pequeno Hulk. Olha, já estão te chamando. Entra na passarela e manda ver!
Foi salvo da vergonhosa lembrança pela balconista.
– Posso lhe ajudar?
– Não – respondeu, assustado pela presença tão próxima dela. – Só dando uma olhada geral.
– Algo em mente para seu filho? Um tema ou herói?
– Não sou casado – corrigiu o ato falho em seguida – nem tenho filhos.
– Então talvez eu possa mostrar para o senhor a sessão de adultos.
Ela tomou a frente no apertado corredor. Jair, a uma distância respeitosa e estratégica, seguiu atrás. Os olhos fixos naquele andar de Lolita. Como pode ser tão incrível, pensou. Ela subiu uma pequena escada e passou de ponta a ponta os trajes do cabideiro alto. O que poderia indicar a ele? Terrorista, Elvis, Super Homem, Cowboy?
– Roupas da Índia têm saído bastante – lembrou a balconista. Puxou um lenço, colocou sobre a cabeça e disse, com um lento rebolado. – Sabe como é, novela.
– Você tem fantasia de gorila?
Jair saiu exultante da loja, abraçado a uma imensa sacola e com um cartão no bolso da camisa. Tinha um telefone e uma razão para voltar. Dois dias depois parou em frente à porta de metal. Fechado por motivo de falecimento, dizia o cartaz escrito à mão, abaixo da placa “Desde 1965”. Só desistiu de ligar quando o cartaz caiu em frangalhos, algumas semanas depois.
Em casa, Jair teve trabalho para colocar a sacola no fundo do armário. Agora tinha seu traje de gorila. Mas não soube mais da mulher maravilha da loja de fantasias.


I'm in

Fasten your seat belt Dorothy, 'cause Kansas is going bye-bye.